A despedida de Ilhados
Uma ideia
Não sei bem se quem teve essa ideia fui eu ou o meu impostor interno, mas em tempos de Síndrome do Impostor atacada, é difícil distinguir. É uma ideia que venho matutando na cabeça há vários meses: retirar meus livros da Amazon. Não todos, não ainda, só Ilhados e seus contos complementares (Verão que é para sempre e A calmaria). Decidi fazer isso no começo do ano, porque começos de anos são épocas de recomeço. De novos planos. De mudanças. Né?
Essa palavra, “mudanças”, representa bem a ideia que tive. Mudei, e o livro não me representa mais. Quando conversei com algumas pessoas sobre o assunto, muitas me disseram que eu deveria deixar o livro lá, que eu posso ter mudado como escritor e como pessoa, mas o livro representa a minha trajetória. Sim, foi o primeiro livro que eu publiquei e ele representa a evolução da minha escrita. Isso é verdade, e eu até concordo com essa ideia de registro de trajetória. É legal ver as primeiras publicações das pessoas e como a escrita mudou ao longo dos anos. A gente vai aprendendo novas técnicas, tendo novos pontos de vista, vivendo novas experiências, lendo novos livros, é natural que a escrita mude, melhore, se aperfeiçoe. Somos imperfeitos e passamos por processos de mudanças. E não devemos ter vergonha de como escrevíamos no início. Afinal, todo mundo muda.
Mas a minha ideia e a mudança não tem a ver exatamente com isso. Sim, minha escrita mudou bastante, e, mesmo que ainda tenha muito a melhorar e eu não considere a escrita de Ilhados necessariamente ruim, hoje eu tenho conhecimentos técnicos que na época eu não tinha. Mas acontece que escrevi este livro porque eu tinha uma ideia na cabeça, uma mensagem, um sentimento que eu queria passar adiante, colocar para fora. E foi, coloquei tudo pra fora, deu certo, me diverti horrores escrevendo e publicando, toquei várias pessoas, até hoje fãs da história, fiz vários amigos e contatos por conta dessa publicação, aprendi muito. Mas, além de não me identificar mais com a mensagem passada no livro, não concordo mais com ela. Não vou entrar em detalhes sobre esse assunto em particular, porém, se eu fosse reescrever Ilhados, mudaria tudo. Da linguagem até o enredo. E não vou. Não vou reescrever o livro.
Pode parecer drástico, mas sou contra reescrita depois de publicação. O que foi feito, tá feito. Uma vez que a obra tá pronta, ela é do mundo (claro que aqui estou falando sobre mudar a história, e não sobre fazer revisões ortográficas, por exemplo). Não vejo muito sentido modificar uma ideia que já foi posta para fora, quando podemos ter novas ideias para substituí-las — quem sabe um dia eu não faça uma nova história, completamente diferente, sobre descobertas de amor numa ilha?
Não vou apagar Ilhados do mundo, afinal muita gente já leu, o arquivo vai ficar aqui no meu computador, e quem quiser ler pode me pedir (ou ir lá no meu site e baixar gratuitamente), mas não quero mais vincular ao meu nome de autor. Não me sinto mais o autor de Ilhados. L. N. Santana, o autor inseguro, escondido por trás da sigla do nome, para não mostrar demais sua identidade, pois temia não ser levado a sério, ser motivo de piada, tinha medo de ser ruim demais, vergonha de dizer que era escritor, ele não existe mais. Claro, as inseguranças permanecem, só não vejo necessidade de me esconder por trás de um quase pseudônimo. Agora assumo meu nome, Lucas, e assino meus livros assim, com nome e sobrenome, Lucas Santana, embora para os íntimos eu sempre seja Luke. Assim, Ilhados continua como um registro da minha trajetória, só não mais na Amazon, que é a vitrine do meu trabalho atual como escritor.
Da metade de 2021 pra cá me reconectei e me reencontrei na escrita. Descobri o que realmente gosto e quero escrever. Os cenários paradisíacos e fantasiosos de Ilhados pareceram imaturos e distantes demais, sendo que eu tinha tantas referências ao meu redor. Deixei a escrita mais próxima de mim. Terra Alagada já era um indício dessas mudanças que, na época, ainda eram tímidas. Inspirei-me em Recife para escrever a cidade fictícia da história.
Mas por que não Recife? Por que não Paraíba? Nas minhas últimas escritas, ainda inéditas para muita gente (pois ainda não publiquei nada disso), me aproximei da minha terra, das minhas lembranças, do meu dia-a-dia, mudei minha assinatura. E embora eu tenha paquerado com a ficção especulativa, onde as narrativas tendem a se afastar da realidade, não poderia ser mais real e próximo para mim, Lucas.
Então é isso. 2021 foi o ano em que publiquei Terra Alagada, ganhei muitos leitores, fiz vários planos e fracassei em muitos deles, foi um ano de medos, de inseguranças, e alguns sucessos também. Foi um ano em que escrevi muito, submeti textos para editais, fui aceito em alguns, rejeitado em vários, publiquei artigos acadêmicos. Espero que o que não deu certo em 2021 dê em 2022. Que vocês vejam mais coisas assinadas com Lucas Santana por aí.
Essa é minha despedida para Ilhados e o seu autor, L. N. Santana. Nico e Arnaud, descansem em paz no limbo dos livros esquecidos. Sim, Ilhados é o meu livro mais lucrativo até hoje, e tirar ele da Amazon vai causar um enorme rombo nos meus planos de ganhar algum dinheiro como autor, mas recomeços exigem isso, não é? Que a gente jogue algumas coisas fora para liberar espaço para coisas novas. Tal como Nico, cá estou eu entrando num barquinho em busca de novos mares.
Uma descoberta
Recentemente descobri a Égua Literária, uma revista de ficção especulativa do Norte do Brasil, feita por pessoas nortistas. A revista surgiu como oposição à hegemonia de um mercado editorial que privilegia pessoas do eixo Sudeste-Sul do país, e assim visa abrir um espaço em que autories dos estados da Região Norte tenham mais oportunidades de publicação. A revista tem foco em “histórias fantásticas, cibernéticas e arrepiantes que mostrem a diversidade e as vivências dessa Amazônia misteriosa e de seus rios cheios de segredos”.
Nesta semana publicaram a segunda edição, que conta com contos de de Luana Cruz, Gabriela L. K. Lins, Thiago Ambrósio Lage, Tarcila Alves e Luciana Fauber, todos inspirados em músicas com ritmos do Norte e em gêneros literários bem distintos. A revista está disponível para download gratuitamente <aqui>.
Uma dica
Esses dias assisti ao filme chamado Titane, onde uma serial killer foragida da polícia se passa por um garoto que desapareceu quando era criança, e assim ela passa a viver infiltrada na família do menino, que teria a idade atual dela se estivesse vivo. O filme é de Julia Ducournau, diretora de Raw (Grave), sim, aquele filme francês da canibal universitária.
Titane é um horror completamente grotesco, louco, perturbador, que me deixou em choque o filme inteiro me perguntando “o que danado está acontecendo aqui?”. Eu amo histórias assim, sem nenhum compromisso com a realidade, com roteiros confusos e nonsense, onde a gente deve apenas assistir e curtir a experiência, sem necessariamente entender. Acho bem corajoso quem escreve histórias assim. Eu mesmo morro de vontade, mas não sei se tenho coragem.
Pra quem assistiu ao primeiro episódio da 14ª temporada de Rupaul’s Drag Race semana passada, aí vai uma outra referência: o show de talentos de Willow Pill. Completamente inesperado, totalmente absurdo, intrigante e divertido. Dá pra ver nesse vídeo, no minuto 7:15. É disso que eu gosto. Puxando para a literatura, o conto Como o Coração manda, de Victor Marques, tem exatamente essa energia. Amo demais.
Se alguém tiver alguma indicação do tipo, manda aí!
Até daqui a quinze dias! Ou quando a faísca do isqueiro acender um fogo.
Meu nome é Lucas Santana (ou Luke, agora que estamos íntimos), sou autor de Terra Alagada e O Parque, e se quiser me acompanhar nas redes sociais, estes são meu twitter e meu instagram. Para comentar ou responder esse boletim, basta responder o e-mail normalmente.
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